O começo
Nossa historia tem vários começos, um deles, a partir da expressão antiga, talvez mineira, de levar os dedos a orelha mostrando que a comida ficou boa e dizendo “Huumm, ficou daqui o”!
Cresci vendo este gesto e comendo feijão, muito feijão!
Sempre fui apaixonada por esse alimento rico, nutritivo e tão simples. Aprendi a cozinha-lo cedo, nos fogões a lenha da fazenda em que passei a infância e adolescência. Moravam na fazenda de Santa Vitoria, MG nesta ocasião, a irmã do papai, tia Anésia, Chico, seu marido e minha querida prima Marcia. Eles eram a alegria da gente ao chegar para passar as longas temporadas de férias, fosse em janeiro ou julho. Tinha também o pastor alemão Veneno, um cachorro super bravo que fazia alguns visitantes terem que subir na paineira em frente da casa de tanto medo.
Tia Anésia começava logo cedo a cozinhar e o aroma do cozimento invadia a casa pela manha e por fim, ficava pronto aquele feijão suculento com um caldo bem encorpado, pra lá de gostoso! Ela era sempre muito atenciosa e principalmente paciente com a sobrinha rondando a beira do fogão, fazendo mil perguntas que nunca bastavam para saciar sua curiosidade. Acho que hoje, ela vê, lá de cima, que valeu a pena tanto sacrifício. Preciso falar também do pastel de carne moída que ela fazia, quem sabe uma hora resolvemos vender pasteis também, já pensou?
Bem mais tarde, depois de muitos anos, casada , com três filhos pequenos e morando na cidade de São Paulo, tal qual uma semente brotando, voltou a vontade de cozinhar feijão, deu saudade daquele período da minha vida. Acho que o que mais marca esse tempo, e lembrar da gentileza das pessoas, dos gestos simples, do contato com a natureza, tudo o que contribuiu para a minha formação como ser humano.
Resolvi criar um negocio em que pudesse passar um pouco dessa historia, desses valores, por meio de um produto bom, saudável, de grande valor nutricional e simples, o feijão e uma comida simples, comida de todo dia! Com o feijão, pretendia resgatar o habito de comer na mesa, comer entre pessoas da família, bater um papo descontraído. O feijão remete a acolhimento, a comida de casa, de avo. Nesse momento, entra a ajuda incondicional do meu marido, Sergio. Ele foi o esteio de todo o projeto, sempre acreditando que daria certo, que eu devia realizar esse maravilhoso sonho.
O que contribuiu para abrirmos a empresa foi o fato de percebermos que os amigos dos meninos que almoçavam conosco depois da escola, adoravam o feijão da nossa casa. E muitos diziam que não tinham o habito de come-lo diariamente, o que me causou grande espanto.
Comecei a ver a que em algumas casas, por motivos diversos, não se cozinhava feijão, pelo menos não com frequência. Foi ai que me veio a ideia, a vontade de “consertar” esta situação, de dar um jeito de fazer a meninada voltar a comer feijão diariamente. Arroz e feijão, uma combinação tão brasileira, tão saudável, não podia cair no esquecimento.
Decidi cozinhar para vender. Abrimos a empresa em 2016 funcionando em casa mesmo. Só que nesta época, nossa casa era muito agitada. Os três meninos, dois cachorros de porte grande (pastores alemães também), amigos quase todos os dias da semana, leva e busca em mil lugares, escola, pediatra, festinhas, futebol, ufa! São memorias boas, mas fico cansada só de lembrar, rsrsrs.
Deixei o plano arquivado ate que finalmente, depois de três anos, novamente com o apoio do Sergio, decidimos abrir um espaço totalmente dedicado ao feijão, uma loja-conceito. Surgiu o DaquiÓ, nome de grande valor sentimental, escolhido em referencia ao gesto que a tia Anésia fazia todos os dias ao cozinhar seus quitutes para nos.
A casa onde se localiza a loja fica no Brooklin, na rua Pensilvânia nº1195 e pertence a família do Sergio. Muito interessante que minha sogra deu-nos uma super ajuda no começo, por dois anos não precisaríamos pagar o aluguel. Era tudo de que precisávamos para dar o pontapé inicial. O resto era comigo, eu e o feijão, o feijão e eu.
Voltei a cozinhar fervorosamente, de maneira tradicional, exatamente como fazia na fazenda, claro que no fogão a lenha sempre fica diferente, mas refiro-me ao cozimento caseiro, sem nada de conservante, so com o tempero básico, óleo, louro, sal, cebola e alho. As vezes sem cebola, outras sem alho.
O trabalho de pesquisa também foi intenso. Descobrir que produzimos quase 100 tipos de feijão, conhecer os pequenos produtores, viajar pelo Brasil para comprar diretamente deles, buscar receitas pelo mundo, todo esse envolvimento para dar ao feijão o destaque que ele merece. Muitas conversas com o pessoal da EMBRAPA, do IAC, alunos de agronomia da ESALQ, um sem fim de informações que eu nem imaginava existir.
Dai passei a experimentar diferentes receitas, trabalhar com a infinidade de feijões novos e utilizar outros temperos também. Resolvemos vender os grãos também, afinal de contas, tem muita gente que gosta de cozinhar a sua maneira. Perfeito! Para esses, oferecemos a granel.
Com apenas nove meses de vida, nosso negocio enfrentou o maior problema dos tempos atuais, a pandemia de COVID. Fiquei sem as duas funcionarias, atendendo pela janela, por entrega e assim mesmo morrendo de medo. Mas não podia parar, eu quis tanto o DaquiÓ que não podia esmorecer.
E assim estamos ate hoje, sempre tentando acertar as receitas, agradar nossos preciosos clientes e rezando pelo que da sentido a tudo isso, a semente do feijão. Meus agradecimentos vão para quem a planta, quem colhe o feijão brotado. Aquele que armazena e que vende. Quem transporta, quem compra. Quem cozinha e finalmente quem consome. Além de agradecer, peco a Deus que abençoe toda a cadeia produtiva desse alimento sagrado.